Primeira parte de um conto que será publicado uma vez por semana, sempre quarta-feira.
GUSTAVO E FLORA
Gustavo era um homem de 35 anos,
alto, magro, que adorava corridas matinais e só não as praticava por não
conseguir correr dormindo. Quando acordou levou alguns segundos para reconhecer
o próprio quarto. Estava em casa, então tudo bem. Levantou-se, resmungou contra
o calor, achando que até mesmo aquela samba-canção era roupa demais. Resolveu
não tira-la, caso encontrasse com Pedro enquanto zanzava pelo apartamento.
Gustavo cruzou o corredor e entrou na cozinha, pegou um copo, encheu de água e
bebeu tudo em um só gole, como se tivesse acabado de cruzar o Saara. Largou o
copo na pia e seguiu para a sala afim de ligar a TV e catar algum jogo de
futebol.
Quando estava quase saindo da
cozinha, já quase acordado, ouviu o som da TV emitir vozes. Maldisse,
mentalmente, Pedro, Deus, e diversas outras entidades que ele conhecia.
Certamente seu amigo estava em casa, já havia acordado e ligado a TV e portanto
o seu sossego e futebol haviam dançado.
Ainda brabo, Gustavo entrou na
sala, viu as costas do sofá, a tela da vê, a mesinha de centro entre os dois,
uma mulher sentada no sofá, o jornal caído no chão e. Espera aí, uma mulher
sentada no sofá? Gustavo olhou de novo. Realmente parecia haver uma mulher
sentada no sofá.
Gustavo saiu da sala
silenciosamente, voltou para a cozinha, atravessou o corredor e entrou no
banheiro. Parou em frente a pia, abriu a torneira e lavou o rosto. Fez o
caminho de volta e, silenciosamente, entrou de novo na sala. Definitivamente
era uma mulher sentada no sofá. Ele voltou para o quarto e, sem fazer barulho,
fechou a porta. Pegou o celular.
- Alô. – Pedro estava tranqüilo do outro lado da linha.
- Oi, sou eu. – Respondeu Gustavo, colocando a mão sobre a
boca.
- Onde tu ta Gustavo? – Pedro já não estava tão tranqüilo.
- Em casa. – Gustavo quase não movia os lábios para pronunciar
as palvras.
- E porquê tu ta sussurrando em casa, Gustavo? – Pedro agora
estava confuso.
-Tem uma mulher aqui. No sofá, vendo TV. – Gustavo pronunciou
isso como se estivesse revelando a presença de um ser de outro planeta. Pedro
não conseguiu conter o riso.
- É minha prima. Eu falei que ela ia passar uns
dias aí em casa. Esqueceu?
- Comentou é? Prima? Não lembro...
- Eu te falei semana passada.
- Ta, e que horas tu volta?
- Só no fim do dia. Aliás, tu pode fazer o almoço e entreter
ela enquanto eu não chego?
- Entreter? Eu?
- Aí Gustavo, deixa de bobagem, ela é ótima, super
divertida, tu vai adorar ela.
Fazia anos que as pessoas apresentavam para Gustavo mulher
ótimas, super divertidas e que ele iria adorar. Era bem cansativo.
- Então ta, tenho que desligar. Bom almoço pra vocês.
Beijos.
Pedro desligou e Gustavo decidiu resignar-se. Uns dias? Será
que Pedro tinha dito “uns dias”? Ou ele que tinha tido um leve surto? Bom,
descobriria depois, agora Gustavo tinha que voltar para a sala e estabelecer
contato com o ser do sofá.