Há quem não goste das obras de Oscar Niemeyer, quem ache Chico Buarque
chato, Vinícius de Moraes piegas, e há até quem ache a Agatha Christie simplória. Esse texto não é para essas
pessoas. Esse texto, alias, não é muitas coisas. Não é justificado, não possui hifenização,
as margens não são regulares. Não é um conto, nem uma crônica, nem um poema.
Esse texto não defende nenhuma ideia, não argumenta sobre nada, não desenvolve
nenhuma tese. Esse texto é alinhado à esquerda, se pudesse teria curvas e seria
uma série de palavras dispostas sinuosamente, criando formas leves, como se o
arquiteto tivesse trocado o concreto por letras de macarrão. Esse texto é para
Niemeyer.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
O SEXO DAS 14 HORAS
O sexo favorito de Carlos e Débora era o das 14 horas. Todos os dias
atrasavam o horário de almoço, saiam do trabalho às 13:15, chegavam em casa,
comiam alguma coisa rapidamente, devoravam-se com fervor e voltavam para o
trabalho. Claro que também transavam em outros momentos, e que tinham momentos
em que não transavam, davam-se bem em todos os aspectos, incluindo as pequenas
discordâncias que tinham. Apaixonavam-se mais a cada conversa, desejavam-se
mais a cada olhar, precisavam-se mais a cada ausência. E conversavam muito, não
conseguiam tirar os olhos um do outro, a ausência era cada vez menor e mais
demorada. Mas o sexo das 14 horas não falhava nunca.
O almoço era sempre algo que já estava pré-pronto, assim não perdiam mais
de 10 minutos na refeição que os separava da sublimação. Transavam na mesa, no
sofá, no box do banheiro, na máquina de lavar, no tapete, no chão, e
eventualmente, quando estavam um pouco mais pervertidos, na cama.
Os olhos de Débora pareciam coordenar a dança dos corpos, apertavam-se,
arregalavam-se, reviravam-se, se fechavam dando ao rosto feições de uma
tranquilidade que apenas o sexo pode criar. Os lábios formavam um leve sorriso,
antes de explodirem em gemidos que misturavam-se aos de Carlos. Os pés da mesa
arranhavam o chão, o encosto do sofá batia na parede, o vidro do box balançava,
a máquina de lavar trepidava, a cama rangia, e chão absorvia todos os impactos.
Isso repetiu-se por 213 dias, uma vizinha precisava de silêncio para
trabalhar e entrou na justiça contra o sexo das 14 horas. O juiz deu ganho de
causa para a vizinha, definindo que Carlos e Débora estavam proibidos de
transar em horário comercial, a menos que o fizessem no mais absoluto silêncio.
Tentaram, é claro, mas o sexo das 14 horas não podia ser feito em silêncio. O
sexo das 14 horas era uma loucura, era a entrega de quem não podia mais
resistir ao desejo, era urgente, era quase visceral. O sexo das 14 horas em
silêncio, não era o sexo das 14 horas, era apenas um sexo feito as 14 horas, e
esse podia esperar, esse não tinha urgência alguma, esse tinha muito pouco de
carnal. O sexo das 14 horas em silêncio não tinha nenhuma razão de ser.
Pararam com o sexo das 14 horas, pararam também de almoçar em casa, para
evitar tentações. A produtividade de Carlos começou a cair, os clientes
começaram a reclamar, a coordenadora de Carlos o chamou para uma conversa
franca. Carlos tinha o péssimo hábito de ser franco em conversas francas.
Acabou demitido. Débora conseguiu disfarçar um pouco melhor, mas procurava um
solução para o sexo das 14 horas. Pensaram em Motel, chegaram a ir, mas não
poderiam fazer isso todos os dias e também não era a mesma coisa, faltava
intimidade.
Enquanto esperava um novo emprego cair no seu colo, Carlos visitava
alguns amigos. Pedro, que era músico, convidou Carlos para conhecer sua nova
bateria, e no exato instante em que entrou no pequeno estúdio caseiro do amigo
Carlos pegou o celular e ligou para Débora.
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Isolamento Acústico.
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