terça-feira, 26 de março de 2013

ELE E ELA

                 No degrau mais alto da escada ele avistou o segurança, impedindo a passagem para o lance que o levaria ao porão. Havia duas festas no mesmo lugar e ele fizera a escolha errada. Sabia que deveria se resignar e voltar para a sua festa mas não podia se conter, precisa ver de novo aquele prodígio da natureza. Decidiu falar com o segurança.
                 Desceu os seis degraus que o afastavam do segurança com a agilidade de um felino. O Pop Rock do andar em que estava foi se confundindo com o Funk que vinha do porão até que, naquele pequeno espaço que separava as escadas, se tornaram apenas um barulho indecifrável. O segurança estava ocupado recebendo os ingressos e indicando a escada correta para sete pessoas que haviam acabado de ingressar. Isso deu tempo para ele fechar os olhos, respirar fundo e decidir entre sua elaborada mentira ou a tentativa de comoção através da verdade. Optou pela sinceridade absoluta, uma escolha sempre recomendável apesar de raramente produzir os resultados desejados.
             Com esforço, o segurança conseguiu separar as palavras dele das músicas dos salões, das conversas paralelas, das pessoas comprando ingressos, dos saltos que desciam a escada. Ouviu a história toda. Soube que o sorriso dela era uma fenda irreparável nas mazelas do mundo, que as pernas eram o mau caminho inteiro e que a bunda era um jardim do Éden. Ouviu também algo sobre cabelos quase negros, olhos de amêndoas, ombros esbeltos e a completa imprecisão de um tal de Botticelli. Permaneceu irredutível, como o terno que vestia, se liberasse pra um teria que liberar para todos, estava só cumprindo ordens, etc. Sem conseguir comover o segurança, ele passou a mão nos cabelos, se virou cabisbaixo e, com a lentidão típica dos derrotados, começou a subir.
                A medida que a sola de borracha do seu tênis ia avançando sobre o concreto dos degraus o Funk ia sumindo, junto com as conversas paralelas e os compradores de ingressos. O Pop Rock toma conta do ar, suprimindo qualquer outro som que chegasse aos ouvidos dele. Já estava no quinto degrau quando a viu subindo as escadas do porão. Ela estava quase chegando no espaço do segurança mas sua visão periférica o identificou. Parou e virou o rosto, sim era ele mesmo, reconhecia os ombros largos, as mãos grandes, o pescoço grosso, o queixo quadrado. Reconheceria em qualquer circunstância, mesmo só tendo visto uma vez.
                 A troca de olhares explicou que era inútil falar com o segurança e muito mais. Ele desceu até o terceiro degrau, ela ficou nas pontas dos pés, ele se reclinou sobre o parapeito da escada. Ele a segurou pela nuca com a mão direita e suavemente puxou o seu rosto para perto do dele, ela colocou a mão esquerda no pescoço dele com leveza. As músicas sumiram e levaram junto as conversas paralelas, os sapatos nas escadas, a compra de ingressos, o destacamento de canhotos, as instruções do segurança. Finalmente, se beijaram.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Tempo Ruim

Foram tantos dias nublados
Que quando o sol reapareceu,
Paulo fugiu para uma caverna.

Nunca mais viu a luz do sol,
Não sentiu seu calor,
Não teve a pele queimada.

Isolado em sua escuridão, estava fora do alcance.
Tanto dos perigos, que não sabia citar,
Quanto das flores, que já não conseguia lembrar.

Morreu assim, calmo e a salvo
Sem feridas, sem cicatrizes
E sendo o homem mais infeliz da face da terra.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Muito além da beleza

O futebol é lindo.
Os dribles curtos,
Os passes longos,
Os carrinhos precisos,
As defesas milagrosas.
O posicionamento cuidadosamente estudado,
A movimentação em busca de espaço,
A jogada ensaiada à exaustão,
O improviso genial.

O futebol é lindo.
Mas o que o torna apaixonante
É essa incrível capacidade,
De pegar pesadas lágrimas
Que escorrem pelo rosto
E fazer com que no segundo seguinte

Elas dancem alegremente sobre um sorriso

No futebol sempre é possível.
Para todos.
Por isso ele é tão fácil de amar.


Poema feito semana passada, após a leitura dessa notícia.