sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Niemeyer


Há quem não goste das obras de Oscar Niemeyer, quem ache Chico Buarque chato, Vinícius de Moraes piegas, e há até quem ache a Agatha Christie simplória.  Esse texto não é para essas pessoas. Esse texto, alias, não é muitas coisas. Não é justificado, não possui hifenização, as margens não são regulares. Não é um conto, nem uma crônica, nem um poema. Esse texto não defende nenhuma ideia, não argumenta sobre nada, não desenvolve nenhuma tese. Esse texto é alinhado à esquerda, se pudesse teria curvas e seria uma série de palavras dispostas sinuosamente, criando formas leves, como se o arquiteto tivesse trocado o concreto por letras de macarrão. Esse texto é para Niemeyer.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O SEXO DAS 14 HORAS



O sexo favorito de Carlos e Débora era o das 14 horas. Todos os dias atrasavam o horário de almoço, saiam do trabalho às 13:15, chegavam em casa, comiam alguma coisa rapidamente, devoravam-se com fervor e voltavam para o trabalho. Claro que também transavam em outros momentos, e que tinham momentos em que não transavam, davam-se bem em todos os aspectos, incluindo as pequenas discordâncias que tinham. Apaixonavam-se mais a cada conversa, desejavam-se mais a cada olhar, precisavam-se mais a cada ausência. E conversavam muito, não conseguiam tirar os olhos um do outro, a ausência era cada vez menor e mais demorada. Mas o sexo das 14 horas não falhava nunca.
O almoço era sempre algo que já estava pré-pronto, assim não perdiam mais de 10 minutos na refeição que os separava da sublimação. Transavam na mesa, no sofá, no box do banheiro, na máquina de lavar, no tapete, no chão, e eventualmente, quando estavam um pouco mais pervertidos, na cama.
Os olhos de Débora pareciam coordenar a dança dos corpos, apertavam-se, arregalavam-se, reviravam-se, se fechavam dando ao rosto feições de uma tranquilidade que apenas o sexo pode criar. Os lábios formavam um leve sorriso, antes de explodirem em gemidos que misturavam-se aos de Carlos. Os pés da mesa arranhavam o chão, o encosto do sofá batia na parede, o vidro do box balançava, a máquina de lavar trepidava, a cama rangia, e chão absorvia todos os impactos.
Isso repetiu-se por 213 dias, uma vizinha precisava de silêncio para trabalhar e entrou na justiça contra o sexo das 14 horas. O juiz deu ganho de causa para a vizinha, definindo que Carlos e Débora estavam proibidos de transar em horário comercial, a menos que o fizessem no mais absoluto silêncio. Tentaram, é claro, mas o sexo das 14 horas não podia ser feito em silêncio. O sexo das 14 horas era uma loucura, era a entrega de quem não podia mais resistir ao desejo, era urgente, era quase visceral. O sexo das 14 horas em silêncio, não era o sexo das 14 horas, era apenas um sexo feito as 14 horas, e esse podia esperar, esse não tinha urgência alguma, esse tinha muito pouco de carnal. O sexo das 14 horas em silêncio não tinha nenhuma razão de ser.
Pararam com o sexo das 14 horas, pararam também de almoçar em casa, para evitar tentações. A produtividade de Carlos começou a cair, os clientes começaram a reclamar, a coordenadora de Carlos o chamou para uma conversa franca. Carlos tinha o péssimo hábito de ser franco em conversas francas. Acabou demitido. Débora conseguiu disfarçar um pouco melhor, mas procurava um solução para o sexo das 14 horas. Pensaram em Motel, chegaram a ir, mas não poderiam fazer isso todos os dias e também não era a mesma coisa, faltava intimidade.
Enquanto esperava um novo emprego cair no seu colo, Carlos visitava alguns amigos. Pedro, que era músico, convidou Carlos para conhecer sua nova bateria, e no exato instante em que entrou no pequeno estúdio caseiro do amigo Carlos pegou o celular e ligou para Débora.
-   Isolamento Acústico.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

DEMAQUILANTE


Sem aviso
Sem ninguém querer
O encanto se quebra
A musa idealizada some
A Deusa de bronze derrete

Sem aviso
Sem ninguém querer
Sobra apenas a mulher
Ficam nesse mundo
Os olhos castanhos
Os traços delicados
Os lábios, os ombros
Os seios arfantes
Num suspiro fujão

Sem aviso
Sem ninguém querer
Sobra Deus se aposentando
Sobra a natureza perdida
Sem ter para onde evoluir

Sobra você em mim
E não, nada mais sobra

quinta-feira, 28 de junho de 2012

LIBERDADE


Julgamos justo o que desejamos
E nos desesperamos, e brigamos, e lutamos e gritamos!
E quanto mais nos desesperamos
Mais fracos ficamos
E quando mais alto gritamos
Mais inaudíveis nos tornamos

O que acontece com nossos brados retumbantes
Que perdem-se no ar?
Vagam pela eternidade, no espaço
Perdem força, ficam fracos
Tornam-se um zumbido no infinito

Mas um dia
O zumbido de Zumbi invadirá as mentes dos que não ouvem
Abrirá os olhos dos que não veem
Livrará das correntes as almas
E encherá as bocas dos que sempre aguentaram calados

E então
Novamente retumbante será o brado
Pois não haverá mais desespero

quarta-feira, 27 de junho de 2012

GUSTAVO E FLORA (3)


Rogério chegou na casa de Cristina decidido a se declarar, sem saber que ela, após seis anos, tinha cansado de esperar e estava namorando. Por isso quando entrou na sala, vestindo calça jeans e chinelo, Gustavo encontrou Flora chorando no sofá. Foi a primeira vez que ele teve um retorno sincero e imparcial sobre seu trabalho, a primeira vez que ele pode ver a reação de alguém que não sabia que ele era o autor.
-      É maratona? – Gustavo perguntou mais para anunciar sua chegada do que por interesse.
-      Sim – Flora respondeu secando as lágrimas. – Esse é o final da sexta
temporada
-   Tu come massa?
-      Claro.
-      E queijo?
-      Também.
-      Tá.
Gustavo foi para a cozinha desejando poder apagar o diálogo e dizer algo mais inteligente, porém mudou o foco de suas preocupações quando constatou que não tinha massa em casa. Isso era de se esperar, já que Gustavo e Pedro dividiam a tarefa do super em uma semana para cada um, e aquela tinha sido a semana de Gustavo, que só decoraria listas de super se fossem poemas.
Quando chegou ao lado do sofá, Gustavo viu Flora passar a mão nos cabelos castanhos e jogá-los para o lado. Saiu do transe após dois segundos, explicou que o almoço ainda demoraria um pouco, e foi surpreendido quando Flora disse que ele podia relaxar, pois Pedro havia deixado um número de tele-entrega e ela pedira uma pizza. Gustavo achou ótimo não precisar exibir os seus dotes culinários e poder sentar no sofá ao lado de Flora, que também achou muito bom.
Flora era arquiteta, fez mestrado em Paris, conheceu diversos países na Europa e nas Américas, dedicava parte de seu tempo para desenvolver projetos arquitetônicos de baixo custo para melhorar a vida de pessoas carentes e era colorada. Gustavo era fluente em Inglês, Francês, Italiano e Espanhol, e sabia algumas palavras em Mandarim, por causa de um prêmio que foi receber na China. Tocava piano, violino, tamborim e violão. Só tinha saído do país para receber prêmios e ficava profundamente irritado quando isso o fazia perder um jogo do Grêmio.
Gustavo tinha mãos e pés grandes, pernas fortes, lábios pequenos, e o sorriso mais sincero e acolhedor que Flora já havia visto. Ele era inteligente, divertido, gentil, culto, e nem um pouco arrogante. Seu olhar era direto, penetrante, atento e focado apenas nos olhos de Flora enquanto ela falava. Flora tinha braços delicados, dedos longos nas mãos, pés pequenos, lábios demoníacos e uma pequena, porém impossível de Gustavo ignorar, tatuagem no pescoço. Seu eclético gosto cultural abrangia do popular ao erudito, tinha conhecimento para falar sobre qualquer assunto e a doçura de uma mulher, que é muito mais bela que a ingenuidade de uma “menina”.
Quando o silêncio postou-se no pouco espaço que ainda havia entre eles, incertos, os dois rostos aproximaram-se com a vagarosidade do receio de estar confundindo as coisas. Narizes se encaixaram, mãos encostaram em queixos, polegares deslizaram por lábios, palmas passaram por orelhas e dedos pressionaram nucas. Um podia sentir nos lábios o calor que escapava da boca entreaberta do outro, depois não podia mais, as bocas se encostaram levemente e o interfone tocou.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Gustavo e Flora (2)


Flora estava pirigueticamente sentada no sofá, com uma saia soltinha que deixava suas belas coxas a vista, uma blusinha decotada e nenhum vestígio de sutiã. O seriado que ela assistia era uma comédia e Flora parecia gostar bastante de comédias, já que seus seios, completamente livres dentro da blusa, arfavam entre crises de riso convulsivo. Após observar por um breve período, com intuitos puramente profissionais, o interessante efeito, Gustavo utilizou toda sua desenvoltura e optou por uma técnica excelente para chamar atenção de uma mulher. Limpou a garganta como se estivesse encatarrado.
Flora virou-se, olhou para ele, sorriu e ajeitou-se no sofá, enquanto puxava a saia para baixo tapando as coxas. Gustavo deu a volta no sofá, tentou colocar a mão no bolso e não soube o que fazer quando não encontrou nenhum.
-       Oi. Eu sou o Gustavo... – Esticou a mão direita para cumprimentar a visita.
-       Eu sou a Flora. – Flora cumprimentou Gustavo com a mão direita e, com as pontas dos dedos da esquerda, arrumou o cabelo atrás da orelha.
-       Já almoçou?
-       Não. Conhece “Quase lá”?
Claro que Gustavo conhecia “Quase lá”, ele era o roteirista principal de “Quase lá”, ele tinha criado o “Quase lá”, ele era o cara do “Quase lá”. Mas resolveu não dizer para Flora que ela estava diante do homem mais “Quase lá” de todos.
-       Conheço, conheço...
-       É muito bom né? Acho que eles se perderam um pouco na quarta e na quinta temporada, mas agora se recuperaram... Eu amo o Rogério.
-       É que o roteirista tava com uns problemas durante a quarta e a quinta temporada...
-       Ah é? Não sabia...
Sem bolsos, Gustavo apoiou as mãos na cintura, depois cruzou os braços. Coçou o bíceps  direito com a mão esquerda. Coçou a nuca com a mão direita. Deixou os braços esticados em frente ao corpo, segurando as mãos, e assim ficou. Como o programa estava no intervalo, Flora observou que Gustavo tinha ombros largos, tinha músculos definidos mas era magro. A barriga tinha apenas uma pequena saliência, que Flora achou charmosinha e... “Quase lá” voltou. Gustavo pensou em quebrar o gelo.
-       Quer uma cerveja?
-       São onze da manhã...
-       Hum, verdade...
E foi nesse momento que Gustavo teve uma grande ideia, vestir calças. Aprimorou a ideia acrescentando um banho, e levou apenas alguns segundos para decidir inverter a ordem. Primeiro o banho, depois as calças.
-       Eu vou tomar um banho e já volto.
-       Tá bom. Depois eu te conto como termina.
Gustavo olhou para Flora, para a TV e sorriu.
-       Ah. Obrigado.
Gustavo partiu para o banho e deixou Flora apaixonando-se cada vez mais por Rogério.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

SOLUÇÕES INFANTIS


Quando éramos crianças, o Bruno Morelli e eu fantasiávamos campeonatos de futebol na casa dos meus pais. Éramos do mesmo time enfrentando times imaginários, mas éramos honestos, uma posse de bola para nós, outra para o adversário. Nós, inclusive, perdíamos jogos e quase ficávamos de fora do campeonato. Porém nossa honestidade ainda não era completa, então criávamos no regulamento alguma desculpa estapafúrdia, ganhávamos um ponto extra e passávamos de fase.
Já nesse tempo nós dois acompanhávamos a seleção italiana com grande admiração. Não é uma questão de descendência, e sim de estilo de futebol, gostamos do futebol italiano, da defesa segura, da ideia clara de que bonito é troféu na estante. E aprendemos, ao longo dos anos, a sobreviver a Itália e suas italianizes futebolísticas.
Eu, inclusive, desenvolvi a teoria de que, na Itália, eles só contam título se no mínimo dez por cento dos torcedores tiverem infartado durante o campeonato. Pra que ganhar da Croácia e chegar na última rodada dependendo só de uma vitória contra a Irlanda, é muito mais emocionante empatar e ter que torcer por resultados paralelos. E o regulamento da Euro ajuda muito a aumentar essa dramaticidade.
O primeiro critério de desempate da Euro ainda é o confronto direto, então, se três times empatarem, ignorasse os resultados contra o quarto time, já eliminado, e cria-se uma tabela só com os resultados entre os outros três. Não faz nenhum sentido e até a FIFA já mudou isso, mas quem acha que é difícil a FIFA mudar alguma coisa precisa saber que a UEFA é o setor conservador da FIFA.
Eu sempre defendo que o craque, em qualquer esporte coletivo, é muito mais do que alguém com qualidade muito acima da média. Claro que isso é fundamental, porém a principal característica do craque, o que o diferencia do grande jogador, é o momento em que brilha. O craque pode jogar muito em um amistoso contra um adversário fraco, ótimo, mas o time não precisa dele nesse jogo. Para ser craque é necessário brilhar no jogo decisivo, contra o adversário mais forte, o jogo em que o resto do time não consegue dar conta.
Portugal perdeu o primeiro jogo da Euro para a Alemanha, Cristiano Ronaldo não foi muito bem. No segundo jogo, contra a Dinamarca, Ronaldo perdeu dois gols “feitos”, Portugal, que é melhor que a Dinamarca, venceu o jogo. Ontem Portugal enfrentou a Holanda, venceu por 2x1, de virada, e se classificou. Cristiano Ronaldo fez os dois gols da seleção portuguesa, comprovando, mais uma vez, que é craque, que quando o time precisa pode contar com ele.
O Bruno e eu ficaremos esperando que hoje apareça algum craque na seleção italiana. Parece que a melhor aposta é o Pirlo, de bengala e tudo, mas acho que o Marchisio também está no páreo. Ou a UEFA pode decidir dar um ponto extra pra Itália, por ser a única tetra campeã mundial na competição... Eu faria isso, se ainda fosse criança.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Poetrix


Poetrix é uma forma poética de três versos, como um haicai, mas com regras um pouco diferentes. Aqui você será direcionado para o site do Movimento Poetrix, que tem explicações mais completas e também ótimos poemas. Publico hoje cinco poemas meus seguindo essa linha.

Amor Moderno

Lábios mordidos
Alguns Gemidos
E Adeus

Manhã Seguinte

A cabeça lateja
E se olhar pro lado
Ai meu Deus, que tristeza!

Mãe Solteira

Parto
Mas não reparto
A dor do parto.

Nós

Se solução sucede um problema
Matemática pra que?
Nosso amor é um poema.

Consciência Tranqüila

Tocou meu interfone, pediu comida
Pensei que era assalto, não dei
Morreu de fome, mas eu não sei.




quinta-feira, 14 de junho de 2012

VAI TER QUE DAR


Em Dezembro de 1996 o Grêmio decidiu o campeonato brasileiro contra a Portuguesa. Ainda havia final, era em ida e volta, e a Portuguesa venceu o primeiro jogo por dois a zero. Meu primo perguntou se eu achava que ainda dava e eu, criança, sustentei meu otimismo nos frágeis pilares da lógica absoluta. “Se eles fizeram dois e um jogo, a gente também pode fazer.”. No final do jogo Ailton chutou forte, os pilares se mantiveram, meu otimismo não virou decepção.
           O Palmeiras não é a Portuguesa, eu sei, mas também sei que esse Palmeiras não é muito melhor que aquela Portuguesa, e o que importa é que, assim como naquele Dezembro, os dois times se assemelham. É fora de casa, é contra o Felipão, tudo isso complica ainda mais uma situação já difícil, porém não torna impossível o improvável.
        O meu otimismo dessa vez tem alicerces até mais firmes que os de 96. Em São Paulo o Kléber vai ter mais ritmo de jogo, o Moreno não mais sentir o ombro, e a queda de rendimento de ontem não vai se repetir. O Grêmio vinha jogando muito melhor que jogou ontem, e a tendência é voltar a jogar bem. E se não jogar bem, que seja na marra, na insistência, como os apaixonados, que nunca desanimam, até criar uma brecha, até a paixão ceder.
         Claro que eu sou um otimista incorrigível, claro que existem exemplos em que meu otimismo virou decepção, claro que talvez o Palmeiras não ceda. Claro que eu vou ficar triste. Claro que não vou ficar com vergonha. Claro que eu, como todo torcedor apaixonado, nunca vou deixar de ter orgulho do meu time. Claro que eu, como todo humano apaixonado, vou querer sempre mais. Claro que eu vou acreditar até o fim, eu sou gremista, e acho bom demais ser assim. Claro que vai dar. Vai ter que dar.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

GUSTAVO E FLORA (1)


Primeira parte de um conto que será publicado uma vez por semana, sempre quarta-feira.

GUSTAVO E FLORA

Gustavo era um homem de 35 anos, alto, magro, que adorava corridas matinais e só não as praticava por não conseguir correr dormindo. Quando acordou levou alguns segundos para reconhecer o próprio quarto. Estava em casa, então tudo bem. Levantou-se, resmungou contra o calor, achando que até mesmo aquela samba-canção era roupa demais. Resolveu não tira-la, caso encontrasse com Pedro enquanto zanzava pelo apartamento. Gustavo cruzou o corredor e entrou na cozinha, pegou um copo, encheu de água e bebeu tudo em um só gole, como se tivesse acabado de cruzar o Saara. Largou o copo na pia e seguiu para a sala afim de ligar a TV e catar algum jogo de futebol.
Quando estava quase saindo da cozinha, já quase acordado, ouviu o som da TV emitir vozes. Maldisse, mentalmente, Pedro, Deus, e diversas outras entidades que ele conhecia. Certamente seu amigo estava em casa, já havia acordado e ligado a TV e portanto o seu sossego e futebol haviam dançado.
Ainda brabo, Gustavo entrou na sala, viu as costas do sofá, a tela da vê, a mesinha de centro entre os dois, uma mulher sentada no sofá, o jornal caído no chão e. Espera aí, uma mulher sentada no sofá? Gustavo olhou de novo. Realmente parecia haver uma mulher sentada no sofá.
Gustavo saiu da sala silenciosamente, voltou para a cozinha, atravessou o corredor e entrou no banheiro. Parou em frente a pia, abriu a torneira e lavou o rosto. Fez o caminho de volta e, silenciosamente, entrou de novo na sala. Definitivamente era uma mulher sentada no sofá. Ele voltou para o quarto e, sem fazer barulho, fechou a porta. Pegou o celular.
     - Alô. – Pedro estava tranqüilo do outro lado da linha.
     - Oi, sou eu. – Respondeu Gustavo, colocando a mão sobre a boca.
     - Onde tu ta Gustavo? – Pedro já não estava tão tranqüilo.
     - Em casa. – Gustavo quase não movia os lábios para pronunciar as palvras.
     - E porquê tu ta sussurrando em casa, Gustavo? – Pedro agora estava confuso.
    -Tem uma mulher aqui. No sofá, vendo TV. – Gustavo pronunciou isso como se estivesse revelando a presença de um ser de outro planeta. Pedro não conseguiu conter o riso. 
     - É minha prima. Eu falei que ela ia passar uns dias aí em casa. Esqueceu?
     - Comentou é? Prima? Não lembro...
     - Eu te falei semana passada.
     - Ta, e que horas tu volta?
     - Só no fim do dia. Aliás, tu pode fazer o almoço e entreter ela enquanto eu não chego?
     - Entreter? Eu?
     - Aí Gustavo, deixa de bobagem, ela é ótima, super divertida, tu vai adorar ela.
     Fazia anos que as pessoas apresentavam para Gustavo mulher ótimas, super divertidas e que ele iria adorar. Era bem cansativo.
      - Então ta, tenho que desligar. Bom almoço pra vocês. Beijos.
     Pedro desligou e Gustavo decidiu resignar-se. Uns dias? Será que Pedro tinha dito “uns dias”? Ou ele que tinha tido um leve surto? Bom, descobriria depois, agora Gustavo tinha que voltar para a sala e estabelecer contato com o ser do sofá.

terça-feira, 12 de junho de 2012

IMPERFEITO


Se eu fosse perfeito
Nosso amor morreria de tédio
E tuas pernas fugiriam de mim
Em um adeus irrevogável

Se eu fosse perfeito
Me lançarias um sorriso melancólico
Dirias que não é culpa minha
Me desejarias boa sorte
E partirias com olhos ávidos por emoção

Se eu fosse perfeito
Cumpriria todas as minhas promessas
E atenderia todos os teus desejos
Sem que precisasses pedir

Se eu fosse perfeito
Te daria tudo o que mereces
E nada mais

Se eu fosse perfeito
Seria insosso
Um perfeito impostor

Eu não sou perfeito
Mas eu posso garantir
A plenitude do meu amor

segunda-feira, 11 de junho de 2012

EM BUSCA DO TÍTULO


A passagem do flerte para a comunicação verbal é um momento muito delicado. Um assunto qualquer é inventado, criando uma brecha muito pequena, que ambos devem ter habilidade para manter. Tudo deve ser respondido na hora, o silêncio faz passar o momento, a resposta dada meia hora depois fica sem sentido, é muito mais difícil.
Itália e Espanha fizeram o melhor jogo da Euro 2012 até o agora. Duas seleções muito boas, que marcaram de forma eficiente e, quando tinham a bola, conseguiram criar boas jogadas, vencendo a eficiência adversária. A Espanha teve maior posse de bola, fato estatístico, mas não enxerguei o domínio espanhol que ouvi alguns analistas de futebol declararem. Foi um jogo em que nenhuma das equipes deu a impressão de que estava mais perto da vitória, o típico jogo em que quem fizer o primeiro gol vence.
Os minutos que sucedem um gol são, em geral, diferentes do resto do jogo. A equipe que fez o gol pode se animar mais ou ter um relaxamento natural, já quem sofreu o gol pode “acordar” para o jogo ou se abater. São reações naturais, que duram apenas alguns minutos, antes de tudo voltar ao normal, por isso é comum um time marcar dois gols em sequência, ou fazer um e tomar outro logo depois.
Por tudo isso, a Itália, quando fez o primeiro gol do jogo, se colocou em uma ótima situação para vencer, porém o gol italiano fez o jogo passar do flerte para a comunicação verbal. Os espanhóis conseguiram fazer o gol de empate menos de três minutos depois, quando a Itália ainda estava sob efeito do gol marcado.
Depois tudo voltou ao que era antes, chances para ambos os lados, mas nenhum gol. A brecha, criada com tanto cuidado, havia se fechado passadamente, como um portão medieval. O momento passou, o flerte não deu em nada, restou esperar pela próxima noite.

domingo, 10 de junho de 2012

PARA NÃO PASSAR EM BRANCO

         A Eurocopa 2012 começou na sexta-feira, já teve quatro jogos, nenhum zero a zero e eu vou ter que fazer uma rápida retomada dos dois primeiros dias, para não entrar direto no terceiro. Polônia e Grécia fizeram o jogo de abertura, uma partida do nível da tradição futebolística das equipes. Animada por jogar em casa, recebendo apoio da torcida, a Polônia teve um início até animador, fez um gol, mas depois foi sumindo do jogo. Passado o ímpeto inicial polonês, os gregos conseguiram se encontrar em campo, descobrir a bola e controlar o jogo desde a segunda metade do primeiro tempo. No início do segundo tempo a Grécia marcou o gol de empate, e a vitória viria com o capitão grego marcando de pênalti o segundo gol.
        Viria, não veio, pois o capitão grego colocou o pé de apoio muito longe da bola, o que fez com ele ficasse com o corpo mal enquadrado, e consequentemente, batesse mal, permitindo que o goleiro polonês defendesse. Esse 1X1 de bom tamanho, foi seguido por um 4X1 que nada diz do jogo. Rússia e República Tcheca fecharam a primeira rodada do Grupo A com uma aula de futebol dos russos. Os tchecos fizeram um jogo muito abaixo do esperado, mas talvez esteja se esperando mais do que eles possam dar, talvez essa seleção Tcheca tenha atingindo seu auge na Copa de 2010... Bom, só a sequência da Euro vai dizer isso, mas a Rússia me impressionou, ganhou bem, 4X1, pois um dos seus atacantes estava com azar, mas cabia muito mais. A Rússia se credenciou como a melhor equipe de Grupo A.
         No Grupo B, não é possível dizer qual a melhor equipe, até mesmo a "patinho feio" Dinamarca, não é ruim como se anunciava. A vitória dinamarquesa por 1X0, sobre a Holanda, não foi um acaso, sequer foi resultado lance fortuito de ataque dinamarquês. A verdade é que a Dinamarca jogou até melhor que a Holanda, que teve um pouco de azar, diga-se de passagem. Eu fiquei impressionado com a Dinamarca, e eu não me impressiono fácil. Não é um time de alta técnica, com jogadores habilidosos, mas é um time organizado, que sabe o que fazer com a bola, troca passes, tem jogadas de ultrapassagem pelos flancos, enfim, um time muito bem armado.
      Mas o grande jogo até esse momento foi Portugal e Alemanha. Portugal tem, além de Cristiano Ronaldo, uma zaga muito boa, bem postada, um meio de campo competente, e o Nani, que precisa ser menos preciosista, mas é, no todo, uma boa seleção. A Alemanha tem a base da Copa de 2010, mas com  Özil e Müller mais experientes. O Müller fez um jogo apenas razoável, Özil jogou muito bem, conduziu a Alemanha, organizou o jogo, mas no fim quem resolveu tudo foi Mário Gomez. O centroavante, que vive ótima fase, cabeceou no canto, sem chances de defesa para Rui Patrício, goleiro Português.
         Talvez a atuação discreta de Müller seja uma espécie de prenúncio. Em 2010 a Alemanha passou por isso também, alternando grandes atuações (as melhores da Copa, inclusive), com outras que não tinham nenhum resquício desse brilhantismo, mas isso era atribuído a extrema juventude e consequente falta de experiência da equipe.
           A Euro cumpriu muito bem, nos seus dois primeiros dias, o seu papel de entreter e agradar aos amantes do futebol, apresentando boas seleções, algumas surpreendentemente boas, se enfrentando em jogos melhores ainda. Fica a expectativa para ver o que as oito seleções que ainda não estrearam vão apresentar, e as próximas duas são a campeã do mundo Espanha, e a sempre imprevisível Itália. 

sábado, 9 de junho de 2012

RACHAR PARA CRESCER



           Nicolau Maquiavel foi um gênio da articulação política a quem se atribui a frase “Os fins justificam os meios.”. Isso é uma sacanagem com o rapaz que não pode esclarecer a questão. O que Maquiavel fez foi construir uma obra para o príncipe de Florença, dizendo como ele deveria agir para se manter no poder e ser amado pelo povo.
Nico, como chamaria Rolando Lero, disse apenas que “os fins determinam os meios”. Ou seja, o príncipe deve definir um objetivo, e então descobrir qual a forma mais eficaz de alcançá-lo. Maquiavel não quis dizer que qualquer malfeitoria era aceitável para alcançar um objetivo bom, e sim que os objetivos geram as ações, boas ou más.
Enquanto Ana Amélia Lemos declara apoio à candidatura de Manuela d’Ávila, o PP, partido da Senadora, costura o apoio a reeleição de Fortunati. O que parece ser um racha no partido pode ser também uma hábil manobra política.
O que Ana Amélia e o PP podem conseguir com esse suposto racha é, na verdade, garantir dois importantes apoios na eleição de 2014 para o governo do RS. Fortunati e o PDT irão apoiar o candidato do PP, em troca do apoio recebido agora em 2012, e Manuela d’Ávila irá apoiar Ana Amélia pelo mesmo motivo.
Como Ana Amélia é do PP e, ao que tudo indica, será a candidata ao governo do estado, ambos os apoios estarão garantidos, dando à Ana Amélia mais tempo de TV e uma militância mais ativa que a de seu partido.
Fortunati e Manuela são dois dos três candidatos com grandes chances de vencerem a eleição para a prefeitura de Porto Alegre, o que garante à Ana Amélia uma grande probabilidade de ter o governante da capital apoiando sua candidatura.
Talvez tudo isso seja apenas uma série de consequências boas em um racha real e problemático. Mas se for o caso, Nico vai ficar muito desapontado.