segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Três Coisas

Democracia, Filosofia e Teatro: desde que eu era criança, e provavelmente desde muito antes disso, se fala nas coisas que herdamos dos Gregos. Seja em aula ou em programas de TV me deparei com a questão: cite três coisas que herdamos dos Gregos. Existem algumas variações que colocam Racionalismo, Poesia, os ideais arquitetônicos, etc. Mas há muito mais na atual sociedade ocidental que herdamos da sociedade Helênica, os seres mitológicos da grécia antiga ainda são conhecidos e representados nas obras contemporâneas.

Um desses seres amplamente conhecidos é Medusa, uma górgona, com cabelo de serpentes, que transformava em pedra quem a olhasse diretamente e que acaba sendo morta por Perseu, um semideus que foi ajudado por Atena, Hades e Hermes. Conhecemos essa Medusa através do Mito de Perseu, porém existe o mito da Medusa, que fala mais sobre a origem desse ser bestial. Ela era uma sacerdotisa do templo de Atena: homens de toda a Grécia iam ao templo para admirar sua beleza, porém ela se mantinha virgem para poder seguir como sacerdotisa de Atena, era uma exigência da deusa. Poseidon, deus dos mares, foi rejeitado diversas vezes, até que entrou no templo e a estuprou em frente à estátua de Atena, que revoltada com a profanação de seu templo, puniu a sacerdotisa transformando-a em um monstro horrendo que não podia ser olhado diretamente. A história de Medusa é uma história de culpabilização da vítima, uma história de como a moralidade helênica lidava com o estupro e como nossa moralidade lida até hoje. E só pra salientar, após ser amaldiçoada pela sua deusa, Medusa foi morar em uma caverna remota, tentando se isolar da sociedade, mas foi sistematicamente atacada por guerreiros em busca de fama e glória.

Esses fundamentos morais da Grécia antiga se espalharam com o macedônico Alexandre, se estabeleceram na Europa com os romanos, e foram impostos ao mundo inteiro durante as invasões européias dos séculos 15  acho que não é um texto pra piada... em diante. A nossa moralidade hoje, 2020, ainda que tenha passado por algumas evoluções, mantém em seus alicerces fundamentais a moralidade helênica. Por isso não é de se espantar que um grupo de assassinos sádicos tente evitar o aborto em uma criança de 10 anos vítima de estupro. Gera tristeza, desânimo, vontade de manter a quarentena mesmo depois da vacina, mas não espanto. Eles são, assim como Bolsonaro, um problema. Mas individualmente são apenas isso, um problema que seria até irrelevante, se não fossem muitos. Então a questão que precisamos resolver é o motivo pelo qual eles são tantos, e para isso temos que repensar todos os nossos fundamentos morais, todo os mitos que fundam nossa sociedade. É importante baixar a febre do paciente, porém é fundamental curar a doença que a está causando. Jair Bolsonaro e seu séquito de boçais conservadores truculentos são um sintoma gravíssimo de uma doença terrível que nos acomete há milhares de anos e continuará trazendo à tona os mesmos sintomas, periodicamente, até que seja tratada e curada.

Culpabilização da vítima, papéis de gênero, naturalização de relacionamento abusivo.


quinta-feira, 14 de abril de 2016

KOBE BRYLLIANT

Passei os últimos três anos vendo uma sombra. Uma sombra com um joelho que já não ajudava, com um braço que ficou mais “curto”, com um ombro que sentia o peso do tempo. O que vagava pelas quadras, com lampejos de genialidade, era quase um espectro que carregava o rosto que havia pertencido a um grande gênio.
As estrelas, quando começam a ficar sem combustível, vão se apagando, até que, em um último espetáculo, explodem em uma supernova extremamente brilhante. Kobe foi uma estrela de primeira grandeza e como tal, fez de sua última apresentação um espetáculo de brilho intenso. Despediu-se seguindo o roteiro que praticou por tantos anos e fez ressurgir na memória de todos a noção exata do que era um jogo de Kobe Bryant.
Em um ginásio lotado de fãs e amigos, Kobe deu início ao seu ato final, arremessava muito e a cada ponto o ginásio vibrava como se fosse o último. Foram muitos últimos pontos. Ainda assim o fraquíssimo time do Lakers permanecia atrás no placar. Uma derrota já esperada, mais uma entre tantas que vieram esse ano. Não importava, aquela noite era sobre se despedir e agradecer a Kobe. Shaquille O’Neal, que foi amigo, virou desafeto e voltou a ser amigo de Bryant, havia pedido 50 pontos. Uma brincadeira, é claro. O recorde de um jogador na temporada que estava terminando era 59, o de Kobe então, 38. O segundo quarto de partida terminou com o Utah Jazz vencendo por uma margem relativamente confortável. Mas sequer vou dizer o placar exato, nem lembro, não tem importância nenhuma.
O importante é que o ginásio continuava vibrando, pois os últimos pontos continuavam se acumulando, os 38 de melhor marca da temporada foram ficando perto, o público foi se animando, a marca foi superada, e então era questão de fazer um jogo de 40 pontos. Feitos os quarenta pontos. O Lakers mantinha-se perto do placar, o cronômetro encaminhava-se para perto do fim e Kobe, como manda a cartilha, começou a fazer ainda mais. Um furor começa nas arquibancadas com a proximidade de mais um jogo de 50 pontos, pedido de amigo é pedido atendido. 51 na conta do Black Mamba, e contando.
Nos últimos segundos de jogo o Lakers perde por apenas um ponto, Kobe tem 56 e no ginásio e em frente às TVs, todos desaprenderam a sentar. Bola na mão dele, só um na marcação e uma cena vista inúmeras vezes. Kobe Bryant fez o que Kobe Bryant sempre fez, dia após dia, nos últimos 20 anos. O arremesso decisivo é certeiro como uma flecha élfica e põe o Lakers em vantagem pela primeira vez no jogo. Ainda viriam mais dois pontos, para selar a vitória, para chegar em 60, para ficar com a melhor marca da temporada.
Kobe presenteou o mundo com uma supernova apoteótica, inesquecível, mais um apresentação de gala, uma última recordação magnífica para os que juntaram tantas ao longo desses vinte anos.

O gênio derrotou o espectro, recuperou seu rosto e se reapresentou “Prazer, eu sou Kobe Bryant”.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Distâncias

Km 817. O destino, marcado assim no GPS, diz apenas que a estrada é longa. Não é através da voz robótica que descobrimos o grande, e ainda crescente, número de carros que trafegam por essas curvas sinuosas, desviando de buracos e cercados por um paredão de pedras que podem cair a qualquer momento e um penhasco onde o carro pode despencar feito uma pedra. É, a estrada é mal cuidada, fruto do pouco uso, muitos nem sabiam que existia. Esse fluxo mais intenso é recente.

A viagem só é possível graças a pessoas que tentam, diariamente, melhorar as condições, tirando o mato, melhorando a sinalização, etc. Algumas dessas pessoas estão organizadas em grupos, o que ajuda na manutenção de uma parte maior da estrada. O “Chega de Fiu-Fiu” é um desses grupos, vem melhorando a sinalização ao longo da estrada e, principalmente nas outras estradas, facilitando o acesso da população. Fico no carona, mexo no som, alcanço uma água para a motorista, mas em momento algum assumo a direção. É ela que precisa se manter atenta à estrada o tempo inteiro, manter as mãos no volante, pisar nos pedais. Esse desgaste não é, nunca foi, e não será meu.


Sou apenas um passageiro, fico sinceramente constrangido de cansar antes de quem dirige. Abaixo o meu vidro e encaro as ameaçadoras pedras, me certificando que nenhuma está vindo ao nosso encontro. Sinto os primeiros pingos da chuva que nuvens e ventos vinham anunciando e eu teimava em duvidar que viria, fecho os vidros e torço para que acabe logo. O pensamento de acabar logo me leva a concluir que já devemos estar na metade do caminho, afinal andamos bastante. Volto a olhar a estrada, o limpador de parabrisa dança freneticamente, melhorando a visão da motorista. Eu, que sou um passageiro, me distraio por um momento com os pingos que correm pelos cantos onde as hastes de silicone não chegam. Jair Bolsonaro é uma placa antiga onde leio: Km 11.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A caneta repousa
Sobre o papel em branco
Nenhuma tinta cairá

A terra se desfaz na chuva
Morros viraram colinas
Ruas viram trilhas

Escorrego em uma flor de ipê-roxo
Meus papéis se vão ao chão

Os barros que agora invadem minhas páginas
Não são o Barros que eu ainda queria aqui

sábado, 21 de junho de 2014

Milagres

Quando estreou na Copa, contra a Bósnia, Messi (e toda a Argentina) estava mal. Ganhava por 1X0 mas os herzegovinos assustavam. Lionel recebeu a bola, dominou, arrancou, tabelou, chutou, vibrou com uma fúria que nunca tinha mostrado ao mundo. Os bósnios ainda diminuíram, mas não empataram, o primeiro gol de Messi salvou a Argentina no jogo mais difícil do grupo, teoricamente. Eis que chega o Irã, pressionando, criando chances, tendo um pênalti negado, transformando o goleiro argentino no nome do jogo. Até os 46 do segundo tempo. Aos 46 do segundo ele resolveu dar o ar da graça no jogo. Ele mesmo, o dez, o craque, o salvador, que recebeu a bola na entrada da área, cortou para o meio e disparou de canhota. A bola, como se tivesse vontade própria, desviou do defensor, escapou do abraço do goleiro iraniano e deitou-se na rede, descansando depois de um longo dia de trabalho.


Se os argentinos já tinham em Maradona um Deus para chamar de seu, agora contam com um Lionel Messiânico e após esse segundo milagre na Copa o Papa Francisco vaticinou: “Se fizer mais um eu canonizo” .

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Passeios

Se ao menos fossem tortos teus caminhos
Eu teria a quem culpar por meus tropeços
Que me desabam sobre tuas calçadas duras

Com um impluso
Levanto em sobressalto
Com as mãos esfoladas
Limpo meus calejados joelhos

Ergo a cabeça
Sorrio, disfarço, sigo em frente
Alegre e confiante
De no próximo passo
Cair em ti novamente

terça-feira, 17 de junho de 2014

Cristiano "forever alone" Ronaldo


Quando há em um time um grande jogador, que é o referencial técnico de uma equipe
com outros jogadores de qualidade, nos referimos como “fulano e cia.”. A Argentina
é Messi e companhia, o Brasil é Neymar e companhia. Se o grande jogador, contudo,
estiver em um time em que todos os companheiros são apenas medianos, a equipe
é chamada de “fulano e mais dez”. A Bélgica é Hazard e mais dez. Há o caso das
equipes que não tem um “ fulano”, nenhum jogador se destaca como muito melhor
que os outros, para o bem e para o mal. A Alemanha não tem nenhum jogador
indiscutivelmente craque. Contudo a Alemanha tem jogadores bons em todos os setores do time,
incluindo o banco. O Irã é um exemplo sem “fulano” do outro lado.
Portugal não se enquadra em nenhum desses exemplos. Os lusitanos tem um grande
“fulano”, talvez o melhor da Copa, mas não tem “companhia”, sequer tem “mais
dez”. CR7 está sozinho, terá que ser um Atlas, carregando sua seleção na Copa até
onde der para ir. Dificilmente será além das quartas-de-final.


Bastidores: Uma fonte que prefere não se identificar informou com exclusividade
para o Blog do Schuster que Cristiano Ronaldo chegou no hotel onde Portugal se
hospedou, pegou algumas garrafas de vinho, e trancou-se no quarto, sozinho. O
silêncio da habitação de CR7 foi quebrado pela TV, com inúmeras reportagens
sobre o jogo. O VT completo começou a ser transmitido por volta da meia-noite e,
à medida que o placar enchia e a garrafa esvaziava, um choro baixo começou a ser
ouvido. Seguiu assim, contido, como um plano de fundo sonoro, durante o pênalti
convertido por Müller, a cabeçada de Hummels na bola, a cabeçada de Pepe em
Müller, e o chute de Müller de dentro da área. Porém, quando Rui Patrício escorou
a bola para Müller assumir a artilharia da Copa, o choro explodiu estrondoso. Já era
alta madrugada e ainda podia se ouvir, no corredor, um voz embriagada cantando
aos prantos:

“All by my self,
 Don’t want be.
 All by my self,
 Anymore.”