quarta-feira, 27 de junho de 2012

GUSTAVO E FLORA (3)


Rogério chegou na casa de Cristina decidido a se declarar, sem saber que ela, após seis anos, tinha cansado de esperar e estava namorando. Por isso quando entrou na sala, vestindo calça jeans e chinelo, Gustavo encontrou Flora chorando no sofá. Foi a primeira vez que ele teve um retorno sincero e imparcial sobre seu trabalho, a primeira vez que ele pode ver a reação de alguém que não sabia que ele era o autor.
-      É maratona? – Gustavo perguntou mais para anunciar sua chegada do que por interesse.
-      Sim – Flora respondeu secando as lágrimas. – Esse é o final da sexta
temporada
-   Tu come massa?
-      Claro.
-      E queijo?
-      Também.
-      Tá.
Gustavo foi para a cozinha desejando poder apagar o diálogo e dizer algo mais inteligente, porém mudou o foco de suas preocupações quando constatou que não tinha massa em casa. Isso era de se esperar, já que Gustavo e Pedro dividiam a tarefa do super em uma semana para cada um, e aquela tinha sido a semana de Gustavo, que só decoraria listas de super se fossem poemas.
Quando chegou ao lado do sofá, Gustavo viu Flora passar a mão nos cabelos castanhos e jogá-los para o lado. Saiu do transe após dois segundos, explicou que o almoço ainda demoraria um pouco, e foi surpreendido quando Flora disse que ele podia relaxar, pois Pedro havia deixado um número de tele-entrega e ela pedira uma pizza. Gustavo achou ótimo não precisar exibir os seus dotes culinários e poder sentar no sofá ao lado de Flora, que também achou muito bom.
Flora era arquiteta, fez mestrado em Paris, conheceu diversos países na Europa e nas Américas, dedicava parte de seu tempo para desenvolver projetos arquitetônicos de baixo custo para melhorar a vida de pessoas carentes e era colorada. Gustavo era fluente em Inglês, Francês, Italiano e Espanhol, e sabia algumas palavras em Mandarim, por causa de um prêmio que foi receber na China. Tocava piano, violino, tamborim e violão. Só tinha saído do país para receber prêmios e ficava profundamente irritado quando isso o fazia perder um jogo do Grêmio.
Gustavo tinha mãos e pés grandes, pernas fortes, lábios pequenos, e o sorriso mais sincero e acolhedor que Flora já havia visto. Ele era inteligente, divertido, gentil, culto, e nem um pouco arrogante. Seu olhar era direto, penetrante, atento e focado apenas nos olhos de Flora enquanto ela falava. Flora tinha braços delicados, dedos longos nas mãos, pés pequenos, lábios demoníacos e uma pequena, porém impossível de Gustavo ignorar, tatuagem no pescoço. Seu eclético gosto cultural abrangia do popular ao erudito, tinha conhecimento para falar sobre qualquer assunto e a doçura de uma mulher, que é muito mais bela que a ingenuidade de uma “menina”.
Quando o silêncio postou-se no pouco espaço que ainda havia entre eles, incertos, os dois rostos aproximaram-se com a vagarosidade do receio de estar confundindo as coisas. Narizes se encaixaram, mãos encostaram em queixos, polegares deslizaram por lábios, palmas passaram por orelhas e dedos pressionaram nucas. Um podia sentir nos lábios o calor que escapava da boca entreaberta do outro, depois não podia mais, as bocas se encostaram levemente e o interfone tocou.

3 comentários: